As tartarugas capturadas com o apoio dos pescadores da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu (Resex-Mar Itaipu) são medidas, pesadas e marcadas para o monitoramento
O Projeto Aruanã inicia, no próximo dia 9 de outubro, mais uma temporada de capturas intencionais das tartarugas marinhas que vivem na área da Resex-Mar Itaipu, em Niterói/RJ. O trabalho é feito em conjunto com os pescadores locais e voluntários sob a coordenação dos pesquisadores do Projeto Aruanã, que conta com a parceria da Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental. Utilizando uma rede especialmente confeccionada para esta finalidade, a captura dos animais tem o objetivo de realizar o monitoramento, com a marcação, medição, pesagem e imagens para fotoidentificação, assim como avaliar a condição de saúde e a coleta de tecido para pesquisas científicas.
O monitoramento é uma importante contribuição científica para a preservação das tartarugas marinhas. O público interessado pode acompanhar o trabalho de captura intencional, que acontece nos meses de abril (ou maio) e outubro na Praia de Itaipu, com duração de cerca de 8 dias a cada temporada. A metodologia aplicada já foi testada e aprovada pelo Projeto Aruanã e vem sendo adotada desde 2013. Com a marcação e/ou fotoidentificação, é possível identificar os indivíduos residentes e acompanhar o desenvolvimento deles. São avaliados parâmetros populacionais, como estimativas de abundância e taxas de crescimento das tartarugas.
Resultados da primeira temporada
Em maio deste ano, foi realizada a primeira temporada de 2023, tendo sido capturadas 31 tartarugas marinhas da espécie Chelonia mydas, que é a mais abundantemente na região e é popularmente conhecida como tartaruga-verde. Os resultados preliminares indicaram que 13 animais eram indivíduos novos na região e foram marcados pela primeira vez com anilhas de identificação. Dentre os outros, 13 já haviam sido capturados em temporadas anteriores e 5 apresentavam sinais de perda de anilhas. No caso destes últimos, as suas imagens foram comparadas às do banco de fotos do Projeto Aruanã para esclarecer se as 5 tartarugas já haviam sido marcadas em temporadas anteriores.
Os resultados também demonstraram que o maior indivíduo registrado tinha 79,9 cm de comprimento curvilíneo de carapaça (CCC) e 75kg e já era conhecido do Projeto Aruanã. Sua primeira captura foi em outubro de 2019 e apresentava 51,7 cm de CCC e 15 kg. Já o menor indivíduo, novo na região, tinha 36 cm de CCC e 5,7kg.
Capturas intencionais: cuidado no manejo das tartarugas
Na temporada de capturas intencionais, o manejo das tartarugas marinhas é feito com o máximo de cuidado com estes animais. Em cada dia de captura, a equipe do Projeto Aruanã e voluntários montam um cercado em uma área da faixa de areia da praia de Itaipu para onde são levadas as tartarugas capturadas para os procedimentos de medição, pesagem e marcação.
Após esta etapa, os animais são levados novamente para o mar a fim de que voltem para seus habitats. O trabalho obedece ainda a regras, protocolos e/ou termos definidos pelo Centro Tamar/ICMBio. O Projeto Aruanã atua sob a licença Sisbio (sistema do ICMBio) n° 77721-4 para o monitoramento na Resex-Mar Itaipu, que é uma UC na região oceânica de Niterói.
Na Resex-Mar Itaipu, as tartarugas marinhas encontram fartura de alimentos e proteção. Depois de migrações transoceânicas, elas chegam à região na fase juvenil e permanecem por vários anos até se tornarem adultas, seguindo para áreas reprodutivas em ilhas oceânicas do Atlântico Sul.
No Brasil, ocorrem cinco das sete espécies de tartarugas marinhas. Além da tartaruga-verde, vivem por aqui a tartaruga-cabeçuda, a tartaruga-de-pente, a tartaruga-oliva e a tartaruga-de-couro. Estes animais, que são quelônios pertencentes à classe Reptilia, têm um papel crucial nos ecossistemas costeiros e marinhos. Eles são considerados indicadores da saúde dos oceanos, desempenhando um papel vital na manutenção do equilíbrio marinho. As tartarugas marinhas têm uma dieta diversificada, alimentando-se de plantas marinhas, algas e águas-vivas. Desta forma, elas contribuem, por exemplo, para manter a saúde dos corais, pois se alimentam de algas que competem com os corais por espaço e luz solar.
O monitoramento das tartarugas marinhas tem uma longa estrada, tendo surgido em 2010 por meio de um grupo de estudantes e com atuação restrita à Praia de Itaipu. Em janeiro de 2012, o projeto foi ampliado e batizado de Aruanã, pois a tartaruga-verde também é conhecida como tartaruga-aruanã. O nome Aruanã, que tem origem indígena, marca ainda as simbologias da diversidade cultural brasileira. Aruanã também é uma espécie de peixe de água doce que é encontrado nas bacias hidrográficas Amazônica e Araguaia-Tocantins, assim como uma dança sagrada do povo Karajás e uma cidade situada às margens do rio Araguaia.
Análise genética e isótopos estáveis
A partir da etapa de capturas, são coletadas amostras de tecido para análise de genética e de isótopos estáveis. A análise genética permite identificar a origem natal dos indivíduos encontrados na região. Assim como ocorre na Resex, todo o litoral do Rio de Janeiro é uma área de alimentação para os animais da espécie Chelonia mydas.
Nas agregações para alimentação, indivíduos de diferentes origens/populações reúnem-se temporariamente numa mesma região, caracterizando, assim, o chamado estoque misto. O acesso à composição genética desses indivíduos de diferentes origens tornou-se uma das prioridades de pesquisa para esta espécie de tartaruga marinha, juntamente com o entendimento da conectividade entre as populações e de seus padrões de migração, sendo essenciais à definição e implementação de estratégias de conservação bem-sucedidas para a espécie.
A análise de isótopos estáveis é usada para o estudo dos padrões migratórios dos indivíduos, visto que é possível identificar padrões específicos com a diversidade de diferentes recursos alimentares e regiões do planeta que são frequentadas, inferindo, assim, padrões de movimento dos indivíduos que viajam entre variados ecossistemas ou atestando sua residência.
Fibropapilomatose
O estado de saúde desses animais também é acompanhado com foco na prevalência de fibropapilomatose (FP), sua progressão e regressão. A fibropapilomatose é caracterizada pela presença de massas tumorais benignas que podem variar em tamanho, morfologia e localização no corpo da tartaruga marinha. Podem ocorrer tanto externamente (mais comum) quanto internamente (em órgãos) e, dependendo da área afetada e do tamanho dos tumores, o quadro de saúde pode comprometer a sobrevivência dos animais.
Desde o primeiro relato, na década de 1980, a doença vem sendo identificada em todo o mundo, principalmente em regiões tropicais. A prevalência e a frequência de ocorrência também têm sido influenciadas pelo esforço de acompanhamento por parte de instituições de pesquisa que vem aumentando substancialmente nos últimos anos.
Alguns fatores externos podem funcionar como agentes promotores da doença, como, por exemplo, a poluição do ambiente em que as tartarugas vivem. Existem estudos em todo o mundo que apontam que, em lugares mais poluídos, a incidência da fibropapilomatose é maior e afeta, principalmente, indivíduos juvenis de tartaruga-verde, que é a espécie de hábito mais costeiro, entrando em baías e estuários e, consequentemente, mais exposta à interação com a poluição